INFORMATIVO

O Mundo das Famílias

Por Melissa Telles Barufi

As falsas acusações de abuso sexual como ferramenta de vingança nas relações afetivas

abuso

O número de relatos envolvendo abusos sexuais intrafamiliares, especialmente em relação à crianças em famílias marcadas pela separação e pelo litígio entre os pais, tem crescido assustadoramente. Nada obstante, um número significativo destes relatos, ao serem verificados no caso concreto, tem desvelado um cenário diverso, de abuso, sim, mas por parte da mãe ou de um parente que quer afastar o suposto abusador do convívio com a(s) criança vítima(s).

Importante se diga que, independente da criança ser ou não ser sexualmente abusada pelo pai, em qualquer das circunstâncias ela será sempre uma vítima, porquanto o abuso se dá em outra ordem, que pode – da mesma forma que o sexual – provocar traumas irreversíveis e modificar completamente o ciclo vital dos envolvidos.

Não por outro motivo, devem as denúncias de abuso sexual em famílias desunidas serem tratadas com o máximo zelo, a fim de evitar ou minimizar consequências que, a depender da idade e do desenvolvimento das crianças envolvidas, deixam marcas indeléveis em seus caracteres[1]quando não em suas personalidades.

Via de regra, a palavra da mãe ou de uma mulher que cuida do asseio do infante, é quem leva à denúncia de abuso aos órgãos oficiais. Essa é a lógica para a imensa maioria das denúncias envolvendo abuso sexual no seio familiar. E como tal, percebe-se que o depoimento daquela que acusa o pai de violentar sexualmente os filhos reveste-se de um status qualificado, uma presunção de veracidade que, não raras vezes, rompe uma já frágil e desgastada corrente que une o pai, seu dever de paternidade e educação, e os filhos.
Dai que uma investigação psíquica e social, por órgão oficial se faz absolutamente necessária, de modo a evitar que falsas denúncias tomem proporções revestidas de irreversibilidade para com os pais e as crianças, mormente quando tiverem estas tenra idade e não souberem lidar com seus sentimentos nem diferenciar o que é verdadeiro daquilo que é falso.

Deveras, os infantes – em qualquer caso – refletem os valores morais e os ensinamentos transmitidos a partir da educação daqueles que lhes educam e lhes servem de exemplo, daqueles que estão próximos e que têm a gestão funcional das suas vidas e, quando a coação e o constrangimento psíquico se fazem presentes na relação destes, que podem ser mães, avós ou mesmo – em menor escala – pais, quando vigora a intenção desta ou destas pessoas de “impelir a criança a aceitar e acreditar no abuso sexual como realidade”,[2]está-se diante de uma violência de ordem psíquica, com repercussão no direito familista e também no direito penal, porque nestes casos e este quem é chamado para intervir.

Com o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, Lei 8.069/90), aqueles direitos asseverados no artigo 227 da Constituição Federal e também pela Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança (1989) foram reproduzidos e ampliados, considerando juridicamente as crianças não mais como objetos de direito, mas como titulares de um conjunto de direitos fundamentais.

Dentre estes direitos, exsurgem aqueles do artigo 4º donde se lê “é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”, donde se extrai que para que haja um afastamento da convivência familiar, deve-se ter um motivo não somente grave, mas com um mínimo de lastro probatório. Os indícios para tal afastamento devem ser veementes e maduros, não podendo, por hipótese, limitarem-se à palavra da mãe.

Quando noticiada a ocorrência de uma violência – qualquer que seja – contra uma criança, o art. 13 do ECA estatui deve o Conselho Tutelar do Município ser comunicado, sem prejuízo de outras medidas. Tal obrigação tem como objeto “interromper o ciclo de violência, tornando-se um aliado da infância e juventude vitimizada e um auxiliar da família, tendo em vista a possibilidade de intervenção e tratamento não só das vítimas, como de todos os membros envolvidos nas questões de agressão e/ou abuso.”[3]

Ocorre, não obstante, que ao serem verificadas in loco, não são todas as denúncias por abuso sexual que se confirmam, havendo um número substancial de informações equivocadas que, não raras vezes, trazem enormes prejuízos aos envolvidos, não raras vezes, o próprio pai, que seguidas vezes está envolvido também em u processo de separação da mãe e se vê também afastado dos filhos por força da denúncia.

Sobre a denúncia falsa de abuso sexual, intencional ou não, pesquisadores oriundos dos Estados Unidos[4]verificaram a (in)veracidade de 129 alegações de abusos sexuais em 169 casos de disputa de guarda em um total de 9 mil processos de separação conjugal, tramitando em 12 jurisdições num período de seis meses. Dessas 129 alegações, 33% eram falsas e 17% eram inconclusivas. Outra pesquisa, esta do Canadá[5], revisaram as decisões judiciais em 196 casos de denúncia por abuso sexual e/ou violência física contra crianças no contexto da separação, feitas no período de 1990 a 1998. Os casos investigados sugeriram um total de 262 crianças vítimas de maus-tratos, sendo 87 (33%) com idade inferior a cinco anos, 120 (46%) com idade entre cinco e nove anos e 55 (21%) com idade acima de dez anos. Pontuaram que 71% das denúncias foram originadas pela mãe (64% eram guardiãs). A pesquisa ainda mostrou 74% das acusações, nos casos de disputa por guarda dos filhos, eram por abuso sexual, sendo que destas, 76% foram consideradas falsas ou inconclusivas. Constataram, também, que um terço dessas acusações foram deliberadamente inventadas pelas mães em litígio.

Assim também acontece no Brasil, este país tropical, mas com habitantes que se forjam para o litígio. Aqui, porém, existem outros elementos que tornam ainda mais dramática a situação envolvendo pais acusados de abuso sexual e filhos vítimas de abuso.

Isso porque aqui as investigações a respeito deste tipo de relação não são seguras, não existem estudo confiáveis e, por outro lado, nosso país sofre um crise que nos aproxima em todas as esferas, da família às escolas, passando pelo sistema de justiça, ao autoritarismo, que tento se vê onde há disputa de poder.

Certo é que todas as famílias deveriam primar por uma estrutura de cuidado e proteção em torno da prole. Independentemente de eventual desgastes entre os genitores ou até mesmo progenitores, certo é que as crianças deveriam estar sempre a parte de qualquer conflito.

Dito isso, pontuamos que muitas são as formas de uma genitora ou alguém com ascendência sobre a(s) criança(s) provocar um afastamento do pai, ao que a doutrina se acostumou a chamar de alienação parental. A síndrome da alienação parental, postulada por Garder na década de 1980, preconiza que filhos de pais separados podem vir a firmar alianças com o genitor guardião, manifestando um comportamento de rejeição e depreciação direcionado ao genitor não-guardião.

Segundo o referido autor, sendo a mãe a guardiã preferencial, esta se torna também o genitor preponderantemente alienante, responsável por um processo de programação mental ou lavagem cerebral dos filhos. Imbuída da intenção de exilar o pai do convívio e da educação dos filhos, a mãe faz ameaças e promete punições para obrigar os filhos a com ela se aliarem contra os pais. Os filhos, por outro lado, terminam por contribuir para este processo de afastamento, difamando o pai.

Há ainda a síndrome da mãe maliciosa (malicius mother syndrome), quando as intenções de prejudicar o ex-marido vão além da obstrução do relacionamento paterno-fillial, pois incluem o fato de litigar por qualquer evento e dissimular declarações falsas não somente para os filhos, como também para vizinhos, parentes e colegas de trabalho, na tentativa de envolvê-los contra o pai; também há a síndrome de Munchausen por procuração(Munchausen by proxy syndrome), que agrega sintomas somáticos ou psicológicos autoinflingidos, podendo incluir a fabricação de queixas subjetivas (dor) e exacerbação de condições médicas gerais preexistentes ou, ainda, qualquer combinação ou variação destes elementos. A motivação para o comportamento consistem em assumir o papel de enfermo, com ausência de incentivos externos que justifiquem a simulação. Os indivíduos adultos com esse tipo de transtorno podem se envolver em mentiras patológicas acerca de qualquer aspecto de sua história ou sintomas (pseudologia fantástica); a teoria do alinhamento, por sua vez, proposta por Wallerstein e Kelly (1998) estatui que, após um relacionamento encerrado com mágoas, os filhos assumiriam de forma ativa a tarefa de preservar o relacionamento com o genitor mais fragilizado ou magoado com a separação, tornando-se aliados, confidentes e salvadores deste em detrimento do outro, rompendo o vinculo estabelecido com o outro genitor, atacando-o em defesa do seu protegido.

As consequências deste agir para o direito penal são muitas, porquanto a partir de uma notitia criminis pode-se ter a instauração de um procedimento criminal de grave repercussão para todos os membros da família, mas especialmente para o noticiado abusador, que se vê afastado daqueles mais ama: seus filhos.E isso é, via de regra, por uma vingança orquestrada pela mãe, por um desejo de atacar o genitor jogando – agressivamente – com o amor que ele tem para com os filhos.

Este é, pois, um caminho de grave repercussão, uma realidade que precisa ser atendida, da melhor forma possível. Não por outro motivo, deve-se ser muito atento às manifestações de abuso por parte de mães em famílias em litígio, para que se evite ou minimize as graves consequências advindas da alienação parental e também de um processo criminal, que para o pai que ama é certamente ele em si uma pena.

Isso porque a vingança é, em alguns casos, o motivo que subjaz a falsa notícia de abuso, seja porque a mãe se sente abandonada, e não quer mais a intromissão do pai na educação dos filhos, seja porque se sente vitimizada por um pai que, enquanto esposo e pai, segundo a sua visão, não cumpriu para com os deveres e ela pretende reconstruir sua vida com os filhos e sem a intervenção do genitor, que passa da condição de pai à condição de inimigo, de personanon grata, o que vai de encontro à preservação dos laços entre pais e filhos, e é profundamente maléfico aos filhos.

Ramiro Nodari Goulart, advogado inscrito na OAB/RS 83.812. Especialista em Direito penal e processo Penal pela Unissinos, Mestrando em Direito penal na Escola Superior do Ministério Público.

Institucional: Conselheiro Estadual de Direitos Humanos , Diretor da comissão de Direito penal do Instituto Proteger.


[1]Lembramos que o caráter forma-se até os sete anos e não é mudado, ao passo que a personalidade, esta sim pode sofrer transformações ao longo do ciclo vital de cada pessoa.
[2]AMENDOLA, Márcia Ferreira. Crianças no labirinto das acusações: falsas alegações de abuso sexual. Curitiba: Jiruá Editora. 2009, p. 43.
[3] SILVA, Maria Amélia S. Violência contra crianças – quebrando o pacto do silêncio. In: FERRARI, D.; VECINA T. (Orgs.). O fim do silêncio na violência familiar – teoria e prática. São Paulo: Ágora, 2002, p. 78.
[4]Thoennes e Tjaden (1990).
[5]Bala e Schuman (2000).

Melissa Telles Barufi

Advogada inscrita na OAB/RS 68.643, sócia do Escritório de Advocacia Melissa Telles Barufi. Presidente da Comissão Nacional da Infância e Juventude do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM Presidente do Instituto Proteger Conselheira da OAB/RS – 2019/2021 Secretária Geral Adjunta da Caixa de Assistência dos Advogados da OAB/RS – CAA/RS – 2016/2018

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