INFORMATIVO

O Mundo das Famílias

Por Melissa Telles Barufi

DIREITO DE FILIAÇÃO E BIOÉTICA: A INTERSECÇÃO DAS CIÊNCIAS PARA PROTEÇÃO DOS DIREITOS DOS FILHOS.

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Laura Affonso da Costa Levy

Melissa Telles Barufi

Nos últimos tempos, viemos nos posicionando quanto a real necessidade dos profissionais do Direito despertarem para o fato de que o Direito de Filiação é um novo ramo do Direito, dentro do Direito das Famílias, ante sua complexidade e profundidade, sendo essencial a especialização daqueles que atuam nas temáticas.

Dito isto, vale apontarmos para a intersecção da ciência da Bioética para a temática do Direito de Filiação, principalmente quando estamos trabalhando com as questões provenientes das Reproduções Humanas Assistidas.

O domínio do homem sobre a natureza é algo que remonta à sua própria origem. O avanço do conhecimento empírico permitiu questionar e duvidar de fenômenos que antes eram atribuídos às divindades sobrenaturais.

Com o passar dos tempos, o homem passou a aprofundar as pesquisas na área da medicina, para busca da cura de doenças, passando a desmistificar as enfermidades causadas por vírus, bactérias e demais parasitas.

De lá para cá, a ciência e a tecnologia na área da medicina não só avançaram na cura de doenças, mas de igual forma, ou até mesmo mais rapidamente, na área da reprodução, mediante o avanço da engenharia genética e biotecnologia.

É certo que a reprodução por métodos artificiais é bastante antiga. Há relatos de que, desde 1332, os árabes adotavam-na, ainda que de forma bastante rudimentar, para inseminação de equinos. A partir daí, a técnica se expandiu no intuito de se buscar maior êxito na reprodução de animais, com fins, primordialmente econômicos, viabilizando a seleção de animais mais eficientes, seja para auxiliar o homem no trabalho, seja para sua alimentação.

Em relação à reprodução humana assistida, há relatos de que uma das primeiras tentativas exitosas de reprodução tenha se dado no ano de 1785, junto à Faculdade de Medicina de Paris. No entanto, foi a partir das descobertas em relação à possibilidade de criopreservação do sêmen humano que se pôde aprimorar o procedimento de fertilização in vitro, sobrevindo o nascimento de Louise Brown, em 1978, na Inglaterra 

Cabe aqui referirmos que a reprodução assistida pode ser tida como um gênero de modalidades de fecundação por meio de técnicas avançadas que manipulam gametas humanos, com intuito de favorecer a reprodução. Dentre tais técnicas, podem-se citar as mais conhecidas, com suas siglas em inglês: a GIFT (Gamete Intrafallopian Tranfer), a ZIFT (Zygote Intrafalopian Trafer), a ICSI (Intraccytoplasmatic Sperm Injection) e a IVF (In Vitro Fertiliation) ou FIV (Fertilização in vitro).

O uso das técnicas de reprodução assistida vêem crescendo abruptamente no Brasil, por conta do aumento das infertilidades médicas e não médicas. Dentre as infertilidades não médicas, podemos referir a maternidade tardia, por conta de um planejamento parental que leva em conta a estruturação profissional e econômica dos envolvidos no projeto, bem como a aumento das curas de neoplasias, permitindo a criopreservação de material para uso futuro.

Assim, as técnicas de reprodução humana assistida estão relacionadas à execução do projeto parental, que faz parte do conjunto dos direitos reprodutivos e do planejamento familiar, esculpidos na nossa Constituição Federal de 1988 e na Lei 9263/1996.

O sonho da parentalidade ganhou contornos mais coloridos e permissivos com o uso das técnicas de reprodução humana assistidas, que valoriza a socioafetividade, através das reproduções heterólogas, quando há material genético de terceiros estranhos ao projeto parental, assim como a filiação biológica, com a realização dos procedimentos homólogos, com material genético daqueles que coincidem com os autores do projeto parental.

De igual modo, vem abrindo caminhos para novos contornos jurídicos da filiação, com o surgimento da multiparentalidade biológica. No ponto, cabe apontar que existem distintas formas de haver material genético de mais duas pessoas na formação do ser humano, haja vista a existência de gestação por útero em substituição, ou mesmo a realização de transplante de útero, com casos de sucesso nos nascimentos desde 2014. Em tais técnicas, há troca de material genético entre mãe gestacional e bebê, assim como entre o útero transplantado (e sua carga genética) e o bebê.

Porém, situação mais vanguardista é do nascimento de um bebê com DNA de três pessoas, ante a realização da reprodução assistida com uso da técnica de tratamento de doação mitocondrial (MDT).

Para realizar o procedimento, os pesquisadores utilizaram dois óvulos: o da mãe original e o de uma doadora saudável. Eles retiram o núcleo do óvulo da mãe, portanto sem as mitocôndrias, já que elas não ficam no núcleo, e reservam. Com o óvulo da doadora é feito o mesmo, mas o conteúdo retirado é destruído, sobrando apenas o óvulo com as mitocôndrias saudáveis.

É inserido então o núcleo retirado do óvulo da mãe no óvulo da doadora. Esse óvulo, contendo material genético do pai e da mãe originais e mitocôndrias saudáveis da doadora, é implantado no útero da mãe.

Como as mitocôndrias possuem seu próprio material genético, o bebê também herdará parte do DNA da doadora. 

A técnica tem o objetivo de impedir que o bebê herde algumas doenças genéticas incuráveis, transmitidas pelo DNA mitocondrial. Atualmente, são conhecidos apenas 5 casos que fizeram uso da técnica, sendo que o primeiro bebê a nascer a partir do DNA de três pessoas foi registrado no México, em 2016. 

É importante ressaltar, contudo, que a doadora deve permanecer anônima e não temos no Brasil legislação que trabalhe com a temática, sendo utiliza a orientação ética e deontológica das Resoluções do CFM para dirimir as questões provenientes da reprodução humana medicamente assistida.

A Resolução em vigor hoje é de nº 2320/2022 que permite a concretização do projeto familiar de distintas formas. 

Contudo, em breve poderemos estar diante de casos de reconhecimento de multiparentalidade biológica, sendo necessário o aperfeiçoamento profissional da área jurídica para lidar com a temática. O advogado que atua nas demandas do Direito de Filiação precisa compreender que esses conhecimentos relacionados com a genética, com a medicina e com as discussões éticas e jurídicas fazem parte da sua rotina de trabalho.

As relações humanas são dinâmicas por si só. O uso da ciência e da engenharia genética associada à procriação somente acelerou e aprofundou as discussões jurídicas no direito de filiação e no direito sucessório.

A ciência da Bioética, preocupada com a ética da vida, tem como pauta as discussões sobre o início e fim de vida, fazendo-se necessária na discussão dos temas relacionados à reprodução humana medicamente assistida, seja pela proteção do nascituro, pelas técnicas empregadas ou pelo descarte do material genético humano.

Ainda, preocupa-se com os procedimentos de interrupções de gestação em contraposição aos princípios da vida e da liberdade, aliado às pautas de justiça e equidade no acesso aos tratamentos de reprodução humana assistida, eis que é um campo de conhecimento transversal à vida humana.

Vale apontarmos que, os elementos concernentes ao acesso e a pertinência das técnicas carecem de esclarecimentos, na medida em que implicam na possibilidade de compreender os argumentos éticos e jurídicos das novas ações de filiação.

Como pontos relacionados temos: as discussões em relação ao excedente embrionário, doação de gametas, gestação por substituição, reprodução post mortem, acesso às técnicas de reprodução humana, o conteúdo de resoluções e regulamentações da temática e a ausência de legislação específica, entre outros.

Somado a isto, ainda emergem as discussões em relação aos diagnósticos pré-implantacionais e os limites éticos e jurídicos dos projetos parentais, na medida em que a utilização do mapeamento genético provoca o questionamento se poderiam os pais projetar seus filhos e, de certa forma, retornarmos a situações eugênicas.

Pelo breve esboço, demonstramos a importância da intersecção entre a ciência da Bioética e do Direito de Filiação, no intuito de se garantir a proteção dos direitos dos filhos, permitindo a ampliação do conhecimento para fins de atendermos as demandas emergentes e o futuro do Direito.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FERNANDES, Tycho Brahe. A reprodução assistida em face da bioética e do Biodireito: aspectos do direito de família e do direito das sucessões. Florianópolis: Diploma Lefal, 2000. 

SÁ, Maria de Fátiuma Freire de; NAVES, Bruno Torquato de Oliveira. Bioética e Biodireito. 4ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2018.

 

Melissa Telles Barufi

Advogada inscrita na OAB/RS 68.643, sócia do Escritório de Advocacia Melissa Telles Barufi. Presidente da Comissão Nacional da Infância e Juventude do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM Presidente do Instituto Proteger Conselheira da OAB/RS – 2019/2021 Secretária Geral Adjunta da Caixa de Assistência dos Advogados da OAB/RS – CAA/RS – 2016/2018

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